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Trechos de livros nacionais

A literatura brasileira é cheia de obras imperdíveis. Leia trechos de alguns dos melhores livros brasileiros recentes. Tem histórias, poesias e contos para todos os gostos. Inspire-se e escolha sua próxima leitura!

Medos noturnos Nu, de botas – Antônio Prata

Pai e mãe me beijavam, apagavam a luz: o mundo desaparecia. Como ter certeza de que voltaria a existir? De que os dois não sumiriam no breu? Que garantia tinha de que não seria levado pelos monstros que, vez ou outra, apareciam nos pesadelos – eu, que ainda não sabia o que eram monstros ou pesadelos?
Já havia atravessado outras noites, mas não tantas para sabe-las indubitavelmente transponíveis. (A experiência, para mim, ainda estava em fase experimental.) Para cruzar as trevas, precisava de garantias, lembretes de outras viagens.
Ouvir uma história conhecida: o mesmo enredo e, apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelo herói, o mesmo desfecho nos esperando, lá no fim. Seu êxito repetido me sugeria a continuidade das coisas. Assim como ele, eu já tinha enfrentado o iminente fim do mundo e depois acordado – tudo haveria de dar certo.


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Brilho Eu me chamo Antônio – Pedro Gabriel

Não procure a pessoa mais brilhante do mundo. Encontre aquela que te ilumina aos poucos, em alguns momentos. Quem brilha para sempre já morreu.


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Viajantes A Graça da Coisa – Martha Medeiros

Muita gente diz que adora viajar, mas depois que voltam só recordam das coisas que deram errado. Não saboreiam nada. Estão diante das geleiras da Patagônia e não refletem sobre a imponência da natureza, estão sentados num café em Milão e não percebem a elegância dos transeuntes, entram em uma gôndola em Veneza e passam o trajeto brigando contra a máquina fotográfica que emperrou, visitam Ouro Preto e não se impressionam com o tesouro da arquitetura barroca - mas se queixam das ladeiras, claro. Vão à Provence e torcem o nariz para o cheiro dos queijos, olham para o céu estrelado do Atacama sofrendo com o excesso de silêncio, chegam em Trancoso e reclamam de não ter onde usar salto alto, viajam para a Índia sem informação alguma e aí estranham o gosto esquisito daquele hambúrguer: ué, não é carne de vaca, bem? Aliás, viajar sem estar minimamente informado sobre o destino escolhido é bem parecido com não ir.


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Possibilidades Os Últimos Quartetos de Beethoven e Outros Contos

Tenho outros por dentro que nem eu entendo, minha teoria é que a gente nasce com varias possibilidades e quando uma predomina as outras ficam lá dentro, como alternativas descartadas, definhando em segredo, ressentidas. E, vez que outra, querendo aparecer. Tudo bem, viver junto e ir descobrindo o que cada um tem por dentro, os dezessete outros de cada um, e aprendendo a viver com eles, a gente se adapta. Um dos meus dezessete pode não combinar com um dos dezessete dela, então a gente cuida para eles nunca se encontrarem. A felicidade é sempre uma acomodação.


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Beta, a cadela Barba Ensopada de Sangue - Daniel Galera

- Eu podia te fazer prometer coisa bem pior. Fazer as pazes com o teu irmão, por exemplo.
- Eu faço se tu me disser que tá tirando onda da minha cara. Dentro de algumas horas eu tô dando um abraço nele. Pode marcar o churrasco.
- Boa tentativa. Mas na verdade eu não tô nem aí. Eu não perdoaria ele se fosse tu.
- Bom saber isso.
- É, agora não me importo de dizer. Mas preciso mesmo que tu poupe o meu bichinho. Ela tem quinze anos, mas essa raça passa fácil dos vinte. Essa cadela é a minha vida. Tu já viu um cachorro deprimido? Se ela ficar sem mim eu vou levar o sofrimento dela comigo. Posso considerar prometido?
- Pode.
- Obrigado.
- Não, não pode. Não posso fazer parte.
- Te amo, guri.


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Futuro Quiçá - Luisa Geisler

Eventualmente, em tempos futuros, em tempos distantes, como uma versão futura de “era uma vez”: será uma vez. Será uma vez… uma mulher que bebeu cerveja. Todos bebiam, um após o outro após o outro após o outro. Ela bebeu. Será que era o gosto que todos os outros sentiam? O gosto de algo que deveria sair do organismo, do fígado, do rim, das vias nasais. Não o gosto de algo que deveria entrar. (mas isso era o futuro)


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Mapas, livros e primavera Toda Poesia – Paulo Leminski

Quem me dera
um mapa de tesouro
que me leve a um velho baú
cheio de mapas do tesouro

Fechamos o corpo
como quem fecha um livro
por já sabe-lo de cor.

Fechando o corpo
como quem fecha um livro
em língua desconhecida
e desconhecido o corpo
desconhecemos tudo.

Só mesmo um velho
para descobrir,
detrás de uma pedra,
toda a primavera.


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Lembrança Diário da Queda - Michel Laub

Eu sonhei muitas vezes com o momento da queda, um silêncio que durou um segundo, talvez dois, um salão com sessenta pessoas e ninguém deu um pio, e era como se todos esperassem um grito do meu colega, um grunhido que fosse, mas ele ficou no chão de olhos fechados até que alguém dissesse para que todos saíssem de perto porque talvez ele houvesse se machucado, uma cena que passou a me acompanhar até que ele voltasse à escola, e passasse a se arrastar pelos corredores, de colete ortopédico por baixo do uniforme no frio, no calor, no sol, na chuva.

Se na época perguntassem o que me afetava mais, ver o colega daquele jeito ou o fato de meu avô ter passado por Auschwitz, e por afetar quero dizer sentir intensamente, como algo palpável e presente, uma lembrança que não precisa ser evocada para aparecer, eu não hesitaria em dar a resposta.


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Morte Fim – Fernanda Torres

O meu anjo da morte. Quem diria?
Uma vez perguntei a um budista que acreditava em reencarnação o que, afinal, reencarna. Ele disse que era uma parte tão ínfima, mas tão ínfima que, nela, não há vestígio do indivíduo de outrora. Tem sangue saindo da minha cabeça. A perua do 704 saiu do carro aparvalhada, o porteiro vem correndo. Não sinto nada, nem dor, nem pena. Estou bem, aqui. Foi bom lembrar dos amigos, nada é por acaso. Se houvesse outra vida, seria bom encontrar com eles, visitar o Ciro e o Sílvio no inferno, ia ser bom. Mas não há. A morte não existe. Nem o budista reencarnacionista achaque vai voltar igual ao que foi. Vou estar na planta, na baba da lagarta que devora a planta, na mosca da que lambe a baba da lagarta que devora a planta. Estarei ali. Foi de bom tamanho, eu estava cansado. A indiferença daqui me cai bem. Falei muito mal das mulheres, elas merecem. Os homens também não prestam para nada. E um não foi feito para o outro.
Desintegro no ar sobre Copacabana. Uma vez li que a morte era o momento mais significativo da vida, e é mesmo. A minha foi boa, está sendo, não por muito mais.


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Saber voltar Opisanie Swiata - Veronica Stigger

Ela indagou se eu estava viajando a passeio. Respondi que sim e então ela quis saber se eu costumava viajar. Disse de novo que sim. Falei que adoro viajar, que adoro conhecer lugares diferentes. Ela perguntou então por onde eu tinha andado. Quando lhe contei do Sul e da região de onde vinha, dois países vizinhos que visitei, do Norte, do Nordeste, das capitais onde vivi, dos lugares da Europa em que estive, ela estalou a língua no céu da boca e sacudiu a mão direita no ar, como se espantasse um mosquito próximo a seu rosto. Não, não, não, me disse ela. Viajar é ir para o Egito, para a Líbia, para a Turquia. O rapaz — emendou Bopp, afinando a voz numa tentativa de imitar o modo de falar da senhora — deveria procurar a Associação Cristã de Moços e viajar para lá. Para o Egito, para a Líbia, para a Turquia. Vá trabalhando. Consiga um emprego no navio. Pode ser de cozinheiro, faxineiro. Mas vá trabalhando. Assim o rapaz ganha dinheiro e pode ficar o tempo que quiser fora. Trabalhe lá fora também. Aproveite enquanto é jovem. Eu viajei muito, continuou ela. Conheci o Egito, a Líbia, a Turquia. Fiquei dois anos fora. Sempre trabalhando. Trabalhando e viajando. Mas preste atenção, me disse ela, por fim, com o dedo apontado para o meu nariz, é preciso voltar. Fique um ano, dois, três. Mas volte. Vá e volte. É preciso saber voltar.


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Forças sinistras Digam a Satã que o Recado foi Entendido – Daniel Pellizzari

Mas não adianta, eu sei que agora o medo vai chegar a qualquer momento. E quando o medo vem é intenso, piorando muito à noite ou em meio à multidões. Luzes, ruídos e pessoas ficam cada vez mais velozes e se revelam forças agressivas, sinistras. Quando alguém ri, está rindo de mim. Se gdiaargalha, está me enfiando uma faca. Olhou, quer me matar. Até os gatos de rua estão planejando tocaias. Os ruídos do mundo tramam crescer em proporção geométrica até me envolverem por completo como um oceano de gelatina e me deixarem suspenso ali dentro para que as luzes cheguem muito rápidas e agudas e me perfurem o corpo inteiro, causando uma dor física sem adjetivos e permitindo que minha consciência escape pelas feridas abertas…


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