Na maioria das vezes eu espirro por conta da alergia e não tem ninguém ali me oferecer um lenço.
Como foi seu dia?
Daniel Bovolento
Eu não peço esmola, eu peço abrigo afetivo de verdade. Queria mesmo é que você parasse pra perguntar como foi o meu dia.
Me pinta em aquarela?
Daniel Bovolento
Ouviria as suas histórias e te pintaria nos meus escritos. Esboçaria um pouco dos teus olhos e das olheiras, que é pra te dar um ar humano, e reconheceria suas falhas no papel. Me pinta em aquarela pra me dar vida?
Passar por mim na rua
Daniel Bovolento
Não entende e me olha como se passasse por mim na rua, como se a vista do horizonte fosse maior que eu, como se eu fosse uma alegoria trançada num adorno qualquer.
Imaginação do mundo
Daniel Bovolento
Promete pra mim que me escreve? Descreve, me escreve no papel, me rabisca um pouco pra eu sentir que não sou imaginado no mundo.
Que eu existo e tenho uma âncora feito você pra botar meu pé no chão.
Por anos a fio
Daniel Bovolento
Tudo bem, sou precavido, tenho levado o meu há anos a fio quando aprendi que a gente tem que se embalar na gente senão a coisa toda despenca.
Me afunda
Daniel Bovolento
Só vem um dia e me tira dessa cidade perdida, dessa confusão que implica em me deixar com dois cigarros na rua e uns pensamentos que cortam, me tira desse conformismo absurdo e me afunda.
Vem hoje ou amanhã
Daniel Bovolento
Mas olha, eu faria do meu escuro um lugar bonito pra você me visitar. Limpo tudo e deixo as coisas boas em cima dos móveis e um porta-retrato de nós dois. Não precisa vir hoje ou nem amanhã.
Me tira daquele meu apartamento monótono que só faz de mim prisioneiro de alguma coisa apática, de uma vida que eu jurei pra mim mesmo que nunca viveria antes de guardar meus sonhos no baú e sair por aí vivendo o que a gente chama de vida.
Foi bom, tô bem
Daniel Bovolento
Foi bom, tô bem, eu digo. Bom e bem são sinônimos de toda crise interna que a gente não consegue afugentar, não acha?
Pra te devorar
Daniel Bovolento
Eu teria curiosidade em te conhecer abertamente. Te levaria prum quarto parado numa estrada qualquer pra te devorar.
Incômodo qualquer
Daniel Bovolento
Você não entende, mas eu peço abrigo. Um abrigo bem claro, bem na minha frente, que dissipe frio ou incômodo qualquer.
Consumido por dentro
Daniel Bovolento
Tô bem, foi bom, digo quando o telefone toca. E na minha voz fica a marca dos trilhos rangendo, do peito rasgando, da carne se consumindo por dentro.
Apocalipse pessoal
Daniel Bovolento
Bem e bom são sinônimos de um apocalipse pessoal.
Um amante amador
Daniel Bovolento
Você não me conhece, mas eu suponho que poderíamos ser amantes. Ou amadores. Sempre achei que todo amante tivesse algo de amador e por isso as derrapadas pelo caminho.
Ansiosa pelas respostas
Daniel Bovolento
Poderíamos também ser amigos e você me contaria da tua vida com frequência pra me arrancar da realidade? Eu te mandaria postais e a gente viveria nessa espera ansiosa de receber respostas.
Um porão escondido
Daniel Bovolento
Eu te confesso que tenho um porão escondido dentro de mim. Vez ou outra eu revisito pra checar se a umidade já corroeu as vigas, as dobras das portas, as frestas do assoalho.
Me afoga, me enforca, me joga do alto de um edifício, mas não me deixa viver essa coisa que não me deixa ver todas as coisas boas que os seus olhos castanhos contam.