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Crônicas

Com linguagem simples e espontânea, as crônicas são textos curtos sobre assuntos do cotidiano e podem ser descritivas, narrativas, dissertativas, humorísticas, poéticas, jornalísticas e históricas, entre outras. É o escritor quem escolhe um estilo e redige como se estivesse falando com o leitor sobre a sua visão de mundo. No Brasil há excelentes cronistas, por exemplo Luiz Fernando Veríssimo. Para que você se aproxime desse gênero literário, selecionamos algumas das melhores crônicas para sua leitura e reflexão. Também divulgue aos amigos, afinal esse é o grande “barato” da crônica: ser publicada! Aproveite a irreverência e a verdade do ponto de vista dos cronistas e aprenda com deleite.

Nostalgia

Será que alguém consegue realmente definir se sentir nostalgia é uma coisa boa ou ruim? Sei que, muitas vezes, vai depender do momento, mas mesmo quando nos deparamos com alguma lembrança boa, às vezes sentimos uma pontada de tristeza com a felicidade de reviver determinado momento. Ou, então, quando revemos algum acontecimento ruim, é possível sentir uma pontada de alegria em saber que aquilo ali já passou. No final das contas, é quase impossível saber ao certo se a nostalgia é 100% boa ou 100% ruim, talvez sempre tenha mesmo um pouco dos dois, e cabe a cada um aprender a filtrar apenas o melhor dessa sensação sempre que vir à tona. Vejam fotos e vídeos antigos sempre que puderem, absorvam a saudade boa dos momentos e olhem com outros olhos para as dificuldades que um dia vocês passaram. Façam da nostalgia uma coisa boa em meio ao caos do mundo, façam com que ela traga felicidade ao lembrar dos momentos que um dia vocês viveram.


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Segunda-feira cômica ou trágica?

Era uma manhã de segunda-feira, o temido início da semana para muitos, incluindo eu. Já imaginava o trânsito caótico, as pilhas de trabalho acumulado e os olhares sonolentos dos colegas. Mas, para minha surpresa, a segunda-feira decidiu pregar uma peça e virar meu mundo de cabeça para baixo.
Chegando ao escritório, já tive prévias de como seria o dia. Logo na entrada, me deparei com a máquina de café em greve. Sentei à minha mesa, e o computador resolveu entrar na brincadeira. Travou e congelou. Enquanto esperava pacientemente a ressurreição do meu fiel escudeiro tecnológico, comecei a me perguntar se alguém teria colocado uma maldição na minha semana.
Contudo a comédia de erros não parou por aí. Durante uma reunião, meu estômago decidiu que aquele era o momento perfeito para emitir sons estrondosos. As risadas abafadas dos colegas só pioraram a situação, e eu me afundei na cadeira, desejando que a terra me engolisse.
O dia seguiu com infortúnios, mas o importante é que sobrevivi a uma segunda-feira digna de um filme de comédia. Aprendi que, mesmo nos dias mais difíceis, devemos seguir. Afinal, quando a vida nos dá limões, podemos escolher fazer uma limonada ou reclamar da acidez da fruta.


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Déjà vu

Há momentos da vida que deviam paralisar como numa foto, não é mesmo? Infelizmente não é tudo que a nossa mente consegue armazenar.
Falo isso porque tive um incrível déjà vu esses dias. Estava em um lugar que normalmente frequento, e veio à minha memória uma lembrança aleatória, da qual eu tinha a sensação de que me lembrava – mas nada estava muito claro na minha mente. Fiquei dias buscando na mente um histórico do que ocorrera, mas nada feito. Até que um dia, sem ao menos buscar ou me esforçar, lembrei perfeitamente a cena: estava eu brincando na praça com as pombas que lá ficavam com o meu avô, que falecera alguns anos atrás…
Como pude me esquecer de algo tão marcante de minha vida?
Apesar da dúvida, isso me fez chegar a uma única conclusão: viver o momento é o que há. Não há nada mais importante do que o presente. Por isso, faça tudo intensamente, como se fosse o último dia de sua vida. Fotografe fisicamente, sobretudo guarde na mente e no coração todas as lembranças. Um dia, você irá precisar delas para resgatar sua essência.


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A responsabilidade de ser mãe

A frase “Quando você for mãe, entenderá”, muito dita por aí, nunca fez tanto sentido para mim.
Quando eu era solteira, e nem mesmo sonhava em ter filhos, queria ser dona do meu próprio nariz. Parecia que entendia tudo sobre a vida, e arriscar era o que aguçava meus extintos. Até que eu me casei, tive filhos e entendi por que meus pais pegavam tanto no meu pé.
É um amor que não temos palavras para descrever. É um instinto de proteção que nasce desde quando descobrimos que existe uma vida dentro da gente.
Talvez a explicação tenha ficado vaga, mas é exatamente isso.
É cair em um mar de preocupações quando a saúde do filho não está bem. É querer dar a nossa melhor versão a alguém que depende totalmente de nós. É ser capaz de doar a nossa própria vida, se fosse possível, pelo bem de quem nasceu de nós.
Ah! Ter filhos é uma bênção, mas colocam uma carga muito grande de responsabilidade sobre nós, pais. E não que isso seja ruim, mas foi isso que me fez entender o que eu ouvi me dizerem tanto ao longo da minha vida.


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Vivendo os bons momentos

Quando nos permitimos viver certos momentos, descobrimos que eles podem ser melhor do que imaginávamos.
Meses após concluir a minha graduação, recebi o convite para a colação de grau, evento que não era obrigatório. Na minha cabeça, a faculdade já era um ciclo encerrado, e eu não precisava viver mais momentos daquilo. Mas se eu não fosse ao evento, teria que buscar meu certificado em outro lugar, então decidi ir e levar apenas a minha mãe.
Foi um evento grande, reencontrei quase todos da minha turma e, de cara, já me senti feliz por estar ali. Mas eu não imaginava que a maior surpresa ainda estava por vir. Durante a cerimônia, anunciaram que entregariam um prêmio a alunos que se destacaram durante o curso, e eu nunca esperei ouvir meu nome. Mas lá estava eu, recebendo um certificado de honra da faculdade.
A vida é uma caixa de surpresas, o reconhecimento vem de onde a gente menos espera, e momentos que parecem óbvios, podem trazer algo novo. Além disso, o que parece ser o fim, às vezes pode ser o começo de algo bom.


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Vivendo ou sobrevivendo?

Será que é no momento mais difícil da nossa vida que conseguimos enxergar o seu valor? Estava em uma visita no hospital quando curiosamente espiei uma sala na qual estava um paciente. Aparentemente, ele estava morrendo. Sim, morrendo. E o que fazer perante isso? Me senti a pessoa mais incapaz do mundo. Ao vê-lo sofrendo de dor, imaginei o que poderia estar passando na mente dele: 1- “Senhor, me leva, não estou aguentando mais”; 2- “Se eu tivesse tomado aquela decisão, não estaria passando por esse momento agora”; ou 3- “Será que eu aproveitei a minha vida na forma como deve ser aproveitada?”. Depois de alguns segundos de longos pensamentos meus e momentos de agonia do paciente, os aparelhos denunciaram que o coração daquele homem já não batia mais. Fui para o meu destino, mas com a mente naquela cena. Será que, ao morrer, estarei satisfeito com tudo que produzi em terra? Será que tenho vivido uma vida da qual me orgulharei em meus últimos respiros de vida? Será que ainda dá tempo de agarrar as oportunidades que passaram? São questionamentos que todos nós devemos ter ao deitarmos no travesseiro à noite.


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Atitudes que mudam um ser humano

A vida e suas lições, não é mesmo?
Estava eu, presenciando a atitude de uma mãe para com seus dois filhos. Uma das crianças chorava e batia o pezinho na frente da mãe, pois o irmão não queria lhe emprestar o brinquedo. A mãe, já um pouco irritada com a situação, respirou fundo e foi até o irmão que, ao meu ver, parecia um tanto egoísta. Esperava uma atitude firme da mãe, na qual ela iria brigar e forçar a criança a pedir desculpas e a emprestar o seu brinquedo. Mas, surpreendentemente, não foi isso que aconteceu. A mulher se agachou na frente da criança e falou: “Filho, tudo bem você não querer emprestar o seu brinquedo. Irei falar para o seu irmão que você não está pronto para dividir, e vou oferecer outra coisa a ele. Mas entenda que, assim como você se diverte, ele também quer se divertir”... Confesso que fiquei um pouco anestesiado, mas entendi totalmente a atitude dela: ela quis respeitar a individualidade da criança, pois assim como não é tirado de nós, adultos, algo que é nosso à força, também não se deve fazer com uma criança. Isso me fez enxergar que há coisas que realmente nos faltam ser ensinadas quando pequenos, o que evitaria muito certos comportamentos adultos.


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Nas garras do artilheiro

Conheci um rapaz do meu grupo de amigos que foi logo foi muito atencioso. Enquanto a maioria estava preocupada em dançar e curtir a noite, ele se preocupou em conversar comigo, demonstrou interesse sobre minha vida. Num outro passeio entre amigos, novamente ele estava lá buscando conversar e me conhecer. Não demorou muito tempo para que ficássemos e, nesse momento, ele foi uma pessoa muito bacana e até alimentou aquele papo de futuro. Logo depois dali, porém, a conversa praticamente deixou de existir e eu me perguntei em que eu tinha errado.
Não demorou muito, porém, para termos outra festa entre amigos e lá estava ele, conversando com outra menina, com o mesmo comportamento que teve comigo. Senti-me muito mal ao ver aquilo, mas daí percebi que isso tudo não é sobre mim, mas sobre ele. O objetivo dele é esse, conquistar, conseguir o que quer e cair fora, o famoso artilheiro. Essa é a jogada dele, ele quer marcar mais e mais gols. Eu não errei, não houve um problema entre nós, pois é ele esse tipo de pessoa e não cabe a mim julgar o certo ou errado, apenas não me culpar por algo que nunca esteve ao meu alcance. As pessoas nem sempre são aquilo que falam, cabe a nós quando descobrir cair fora e não voltar atrás.


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Concentre-se na leitura com uma playlist especial para ler!

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Certo ou errado

Na infância, eu tive problemas com bullying na escola. Em particular, havia uma menina que vivia pentelhando minha vida e sempre tinha uma piada ou um comentário de mau gosto na ponta da língua. Então, fiz o que era necessário, contei à minha mãe o que vinha acontecendo. Ela, prontamente, foi à escola conversar com o coordenador e ele informou a ela que a outra aluna vinha enfrentando problemas em casa, a fim de que minha mãe fosse compreensiva. Dessa forma, minha mãe respondeu: “Ué, e o problema dela tem que se tornar o problema da minha filha?”
Até que ponto cabe a compreensão? Será que é possível definir um certo e um errado nessa história? Aqui, podemos seguir por dois caminhos de reflexão. O primeiro é que se colocar no lugar do outro muitas vezes é necessário, só assim podemos compreender o que está, de fato, acontecendo. Em contrapartida, é justo deixar que o problema do outro afete nossa vida? Para tudo, é necessário equilíbrio, pois só assim será possível achar uma saída.


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Rodovia da vida

Estava parado no trânsito, analisando o vaivém dos carros e ponderando sobre seus movimentos. Peguei-me refletindo no quanto a vida é rápida e instantânea. No mesmo tempo em que estamos de olho, escapa de nossas mãos. É como olhar para um carro de corrida, que passa em alta velocidade sob nossos olhos e deixa um vulto de recordação. Isso me fez entender que não temos controle de nada. Que, ao mesmo tempo em que achamos que temos, na verdade, não temos. Também me fez meditar sobre os sentimentos e como eles se comportam da mesma maneira. Nada é para sempre. No mesmo momento em que estamos felizes, pode acontecer a coisa mais triste de nossa história. É como andar em uma estrada e ser surpreendido com um carro em uma ultrapassagem. Nada é certo. Nada é concreto. Nada tem o nosso controle. Realmente somos eternos motoristas que estão aprendendo a caminhar nas rodovias da vida, sem saber qual é o seu destino final.


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Nós, que resistimos aos celulares Luis Fernando Verissimo Mulher segurando celular

Não sucumbi ao telefone celular. Não tenho e nunca terei um telefone celular. Quando preciso usar um, uso o da minha mulher. Mas segurando-o como se fosse um grande inseto, possivelmente venenoso, desconhecido da minha tribo.

Eu não saberia escolher a musiquinha que o identifica. Aquela que, quando toca, a pessoa diz “é o meu!”, e passa a procurá-lo freneticamente, depois o coloca no ouvido, diz “alô” várias vezes, aperta botões errado, desiste e desliga, para repetir toda a função quando a musiquinha toca outra vez.

Não sei, a gente escolhe a musiquinha quando compra o celular?

— Tem aí um Beethoven?

— Não. Mas temos as quatro estações do Vivaldi.

— Manda a primavera.

Porque a musiquinha do seu celular também identifica você. Há uma enorme diferença entre uma pessoa cujo celular toca, digamos, “Take five“ e uma cujo celular toca Wagner. Você muitas vezes só sabe com quem realmente está quando ouve o seu celular tocar, e o som do seu celular diz mais a seu respeito do que você imagina.

Se bem que, na minha experiência, a maioria das pessoas escolhe músicas galopantes — como a introdução da “Cavalleria rusticana” ou a ouverture do “Guilherme Tell” — apenas para já colocá-la no adequado espírito de urgência, ou pânico controlado, que o celular exige.

Sei que alguns celulares ronronam e vibram, discretamente, em vez de desandarem a chamar seus donos com música. Infelizmente, os donos nem sempre mostram a mesma discrição.

Não é raro você ser obrigado a ouvir alguém tratando de detalhes da sua intimidade ou dos furúnculos da tia Djalmira a céu aberto, por assim dizer.

É como o que nos fazem os fumantes, só que em vez do nosso espaço aéreo ser invadido por fumaça indesejada, é invadido pela vida alheia. Que também pode ser tóxica.

Não dá para negar que o celular é útil, mas no caso a própria utilidade é angustiante. O celular reduziu as pessoas a apenas extremos opostos de uma conexão, pontos soltos no ar, sem contato com o chão. Onde você se encontra tornou-se irrelevante, o que significa que em breve ninguém mais vai se encontrar.

E a palavra “incomunicável” perdeu o sentido. Estar longe de qualquer telefone não é mais um sonho realizável de sossego e privacidade — o telefone foi atrás.

Não tenho a menor ideia de como funciona o besouro maldito. E chega um momento em que cada nova perplexidade com ele torna-se uma ofensa pessoal, ainda mais para quem ainda não entendeu bem como funciona torneira.

Ouvi dizer que o celular destrói o cérebro aos poucos. Nos vejo — os que não sucumbiram, os últimos resistentes — como os únicos sãos num mundo imbecilizado pelo micro-ondas de ouvido, com os quais as pessoas trocarão grunhidos pré-históricos, incapazes de um raciocínio ou de uma frase completa, mas ainda conectados. Seremos poucos mas nos manteremos unidos, e trocaremos informações. Usando sinais de fumaça.


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Quem está no controle?

Quantas vezes nós evitamos fazer alguma coisa, com medo do que estranhos pudessem pensar. Ou pior: quantas vezes nós nos submetemos a situações nas quais não gostaríamos de nos envolver, apenas para agradar a pessoas que mal conhecemos? Desde as coisas mais banais, como um tipo de roupa que nos deixa desconfortáveis, até coisas mais graves e definitivas, como escolher uma certa profissão e abandonar um sonho antigo, por receio da ridicularização. Por que continuamos a abrir mão daquilo que nos faz bem para adular pessoas que nem apareceriam nos nossos funerais? É importante, claro, ter um espírito conciliador e lembrar que vivemos em sociedade, somos criaturas que buscam o coletivo. Mas o hábito de se martirizar, para apaziguar uma preocupação irracional com a opinião pública, causa muitos danos emocionais. E qual é a recompensa? O alto preço que pagamos vale a pena? Essas pessoas que nos julgam merecem a nossa amizade ou nosso respeito? É importante refletir sobre todas essas perguntas, antes de entregar o controle da vida a alguém que não honrará essa responsabilidade.


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Detalhes que fazem tudo acontecer

Já parou para analisar que a vida acontece nos detalhes? Estava observando uma atividade escolar, daquelas que todo mundo faz, que é a de plantar feijão em um copinho descartável. Para que haja um bom resultado, é necessário se atentar aos detalhes como: quantidade de sementes que um copinho pode suportar, quantidade de algodão para não afogar ou abafar a semente, água diariamente na medida certa, luz solar para que ela se alimente e paciência para ver o processo todo acontecer, além de realizar rápidas soluções caso a mudinha precise de ajuda… Esses detalhes reunidos é que farão com que a semente cresça, se expanda e vire o alimento tão conhecido por nós. Assim é a vida: é necessário cuidar dos detalhes, para que haja uma boa colheita no futuro. Percebi que dar atenção àquilo que parece “banal” me ajudou a valorizar tudo a minha volta, além de entender o processo das coisas. A vida não acontece quando grandes momentos simplesmente eclodem, mas sim no pacato e vagaroso passo que damos dia após dia.


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Momento presente

Eu voltava para casa no final da tarde daquela terça-feira, tão absorto em meus pensamentos, que mal notei que faziam 15ºC com o céu azul e sem nuvens. Frio e sol, Meu tipo de clima favorito. No final daquela tarde de terça-feira eu também me sentia um estúpido, tolo, palerma, mentecapto, parvo e todos os outros sinônimos possíveis ou neologizados.

Tampouco eu havia notado que era uma terça-feira, e só me atentei a esse fato quando me desloquei da fila de formiguinhas que os transeuntes apressados compunham ao meu redor para escorregar para dentro daquele parque. Curioso, eu sempre olhava para esse parque da janela do escritório, e eu jamais havia sequer considerado me aventurar por aquele pedaço de oásis no meio da barulhenta cidade.

De repente, o ruído diminuiu, meus olhos agradeceram pela luz mais branda e meus pensamentos, enfim, cessaram. Então senti que algo me espiava. Persegui o vigilante por alguns minutos até que olhei de volta para os pequenos olhinhos que me fitavam de dentro das sombras. Parei e apreciei o presente.

Observar aquele passarinho ou o que eu aprendi sobre a vida naquele momento: às vezes é preciso sair da sua rota para enxergar uma nova possibilidade.


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Intimidade Luis Fernando Verissimo Casal deitado na cama

Os dois na cama.

— Bem...

— Mmm?

— Posso te fazer uma pergunta?

— Se você pode me fazer uma pergunta? 40 anos de casados e você precisa de permissão para me fazer uma pergunta?

— É uma coisa que me intriga há 40 anos...

— O que?

— A sua calcinha pendurada no box do chuveiro...

— Sim?

— Está ali para secar ou para molhar mais?

— Como é?!

— A sua calcinha pendurada no...

— Eu ouvi a pergunta. Só não estou acreditando. Há 40 anos você vive com essa dúvida? O que a calcinha dela está fazendo no box do banheiro?

— É. Ela foi lavada e está secando, ou está ali para receber mais água?

— E por que você levou 40 anos para me fazer essa pergunta?

— Sei lá. Eu...

— Você achou que nós não tínhamos intimidade o bastante para tratar do assunto, é isto?. Que eram necessários 40 anos de vida em comum para podermos discutir a minha calcinha pendurada no box sem constrangimentos. É isto? Você sabe tudo ao meu respeito. Sabe toda a minha vida, conhece cada estria e sinal do meu corpo, sabe do que eu gosto e não gosto, em quem eu voto, sabe as minhas manias e os meus ruídos, mas estava faltando este detalhe. Este ponto cego no nosso relacionamento. O que a minha calcinha faz pendurada no box do banheiro.

— Não, eu queria perguntar há tempo, mas...

— Já sei. Você achou que fosse uma coisa só de mulher, que homem jamais entenderia. As calcinhas penduradas no chuveiro seriam uma espécie de demarcação de território, um ritual de congregação tribal. Um mistério que une todas as mulheres do mundo e um terreno em que homem só entra com o risco de enlouquecer. Por isso demorou tanto para fazer a pergunta.

— Nada disso. Eu só...

— Francamente.

Ele já estava quase dormindo quando se deu conta. Ela não respondera a pergunta.

Pense sobre relacionamentos com as crônicas de Arnaldo Jabor
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Furto de flor Carlos Drummond de Andrade

“Furtei uma flor daquele jardim. O porteiro do edifício cochilava e eu furtei a flor. Trouxe-a para casa e coloquei-a no copo com água. Logo senti que ela não estava feliz. O copo destina-se a beber, e flor não é para ser bebida.

Passei-a para o vaso, e notei que ela me agradecia, revelando melhor sua delicada composição. Quantas novidades há numa flor, se a contemplarmos bem. Sendo autor do furto, eu assumira a obrigação de conservá-la. Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia. Temi por sua vida. Não adiantava restituí-la ao jardim. Nem apelar para o médico das flores. Eu a furtara, eu a via morrer.

Já murcha, e com a cor particular da morte, peguei-a docemente e fui depositá-la no jardim onde desabrochara. O porteiro estava atento e repreendeu-me:

– Que ideia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste jardim!”



Muitas vezes, nos encantamos pela beleza que vemos e queremos aquilo para nós. Esse sentimento de posse diante do que é belo frequentemente resulta em arrependimentos. Uma flor, por exemplo, é belíssima quando está desabrochada no pé. E, quando a tiramos de lá, ela tende a morrer. Preserve a beleza de tudo, mas onde essa tal beleza se encontra. Caso contrário, uma hora ela irá morrer.


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O tempo Juliano Martinz

“Filtrava-se como se pudesse se esquivar da fúria do Tempo. A fúria das horas. A fúria que aflora nas horas de solidão. Era inócua aos seus medos. Mas determinada diante dos seus objetivos.

Costumava caminhar, e às vezes, percebendo ou não, deixava restos do que ficou e do que sonhava para trás. Pensava, inerte: e se eu voltar? Voltaria, se pudesse? Voltaria, se quisesse? Podia e, vez ou outra, queria. Mas o que ganharia? Não se constroem castelos com pedaços do que ficou. Do que se jogou, justamente por julgar, num momento de inspiração, um peso morto.

Mas o medo do fim teve fim. Findou-se numa tarde em que o sol se apagou. Num lapso, faltou-lhe ar. Estranhamente, não um sorriso. O mundo veio abaixo. Mas ela não. Nem ela, nem sua pele, nem seus objetivos. O mundo em pó. E ela, só. Mas não tão só. Olhou ao redor. Figuras emergindo das cinzas escuras. Viu-se naqueles rostos. Naqueles olhos confiantes. Naqueles sorrisos de alívio. Pela primeira vez, não se sentiu ameaçada. A ameaça e o Tempo não mais andavam de mãos dadas. Desatada, ela conseguiu enfim encarar o futuro. Naquele dia, fez as pazes com o Tempo.”

O mundo corre contra o tempo. Tentamos sempre arrumar tempo para tudo e para todos. Nessa busca por mais tempo, esquecemos os detalhes, aqueles que podem mudar nossas perspectivas sobre a vida. Na obsessão por quanto tempo ainda resta, muito é perdido, muita coisa nem vista é. O tempo é uma ilusão. Aproveite a sua caminhada no mundo sem se preocupar com ele.


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Não deixe a vida passar sem aproveitar Quando eu envelhecer - Keidy Lee Jones

“Quando eu envelhecer, meus cabelos serão brancos e brilhantes. Digo isso porque me dei conta de que a vida passa rapidamente. Ela é de muitas sensações, então um dia estou muito feliz e em outro estou muito triste, mas de uma coisa eu sei: “Eu quero viver e me tornar imortal, pelo menos no meu mundo”. Viver é um presente dos céus e cada pessoa é a estrela da sua própria vida. E cada vida dá uma vida!”



Apesar de saber que vamos envelhecer, não devemos deixar a vida passar sem aproveitar tudo que ela tem a nos oferecer. Que possamos manter a nossa alegria de viver!


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Virando Anedota Luis Fernando Verissimo Caneta escrevendo em uma folha

A oposição entre corpo e alma não existia em tempos bíblicos, ou pelo menos na linguagem bíblica. Mas a versão em latim antigo das Escrituras que Santo Agostinho lia usava “anima” para traduzir “nefesh”, que em hebraico não quer dizer alma mas algo como sopro vital, ser, uma forma exaltada do “eu”. E foi nesse engano que tudo começou.

A alma e o corpo se separaram e nunca mais se encontraram. E nunca mais se pode ler o Velho Testamento a não ser como Agostinho o lia, não como um relato da aventura do corpo humano no mundo como Deus o fez, cheio de som, fúria, sangue e sacanagem, mas como uma alegoria espiritual, em que até os cantares eróticos de Salomão queriam dizer outra coisa: a luta da alma para transcender o corpo, que para Agostinho significava a sexualidade.

Tudo culpa de um mau tradutor.

Freud tentou, de certa maneira, retransformar “anima” em “nefesh”, mas como muito do que ele escreveu em alemão também foi mal traduzido em outras línguas, a confusão só aumentou. No fim a grande danação sob a qual vive a Humanidade não é a da História nem da carne, é a insanável danação de Babel.

Deus disse “que haja muitas línguas, e que cada língua tenha muito dialetos”. E depois, para ter certeza que os homens nunca mais se entenderiam, completou: “E que haja tradutores.”

Um estudo, mesmo superficial como o meu, da etimologia e das transformações que as palavras sofrem através do tempo e das más traduções revela coisas fascinantes.

“Escândalo” — uma palavra que nos diz muito respeito — está indiretamente ligado, na sua origem, aos pés. Sua raiz indo-europeia é “skand”, pular ou subir, de onde também vem escalada. Quem pula ou sobe precisa cuidar onde põe os pés e o grego “skandalon” significa um obstáculo ou uma armadilha.

“Scandalum“ em latim tanto pode significar tentação como armadilha. No francês antigo “scandal“ era um comportamentro antirreligioso que agredia a Igreja todo-poderosa e, da mesma origem, existia a palavra “sclaudre”, de onde vem o inglês “slander”, ou difamação.

Alguns escândalos não investigados, como acontece muito no Brasil, acabam virando anedotas. “Anedota” vem, através do francês “anecdote”, do grego “anekdotos”, história não publicada, presumivelmente tanto no sentido de inédita quanto no sentido de versão não oficial, secreta, clandestina, enfim, tipo “em Brasília não se fala em outra coisa”.

Em francês queria dizer pequeno relato ilustrativo à margem de um relato maior. No seu sentido brasileiro continua sendo uma história marginal, só que engraçada, ou se esforçando para ser.

Sobrevive, na anedota, a tradição homérica da literatura oral, passada de geração a geração sem necessidade de escrita. Se for escrita, deixa de ser anedota. Muitos contadores anotam o fim da anedota para não esquecê-la, mas se sentiriam heréticos se a escrevessem toda. E assim correm o risco de esquecerem o resto e ficarem com uma coleção de últimas frases sem sentido.


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O sentimento mais generoso que existe Quando se ama - Antonio Ferreira

“Quando se ama não há dificuldade

Quando se ama vive-se pelo outro

Não inventa desculpas

O amor vence todas as culpas



Não se diz: vou ver

Não vê dificuldade

Tudo é possível

Não há limite para buscar a felicidade



No amor se joga

Não espera chegar

É toque de bola

Que não precisa a bola amansar



O amor enfrenta feras

Enfrenta até leões

Vence o cansaço

E até grandes gozações”



O amor é o sentimento mais generoso que existe. Por meio do amor, criamos histórias incríveis e vivências maravilhosas. Quando amamos, o corpo e a mente nos pedem mais amor.


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O Desaparecido Rubem Braga

Tarde fria e eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente, que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.



Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.



Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.


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O Quase Mulher olhando para o mar a sua frente

Ainda pior que a convicção do não, e a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase.
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.Quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu ainda está vivo, quem quase amou não amou.

Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, ás vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor, não me pergunto, contesto.A resposta eu sei de cor, está estampada na distancia e frieza dos sorrisos na frouxidão dos abraços, na indiferença dos “Bom Dia” quase que sussurrados.

Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, mas não são.

Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.

Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência, porém, preferir a derrota prévia á duvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.

Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo.De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma.Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque embora quem quase morre está vivo, quem quase vive já morreu.

Deleite-se com o bom humor das crônicas de Antonio Prata
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Brotinho Indócil Vinícius de Moraes

A insistência daqueles chamados já estava me enchendo a paciência (isto foi há alguns anos). Toda a vez era a mesma voz infantil e a mesma teimosia:

— Mas eu nunca vou à cidade, minha filha. Porque é que você não toma juízo e não esquece essa bobagem…

A resposta vinha clara, prática, persuasiva:

— Olha que eu sou um broto muito bonitinho… E depois, não é nada do que você pensa não, seu bobo. Eu quero só que você autografe para mim a sua “Antologia Poética”, morou?

Morar eu morava. É danadamente difícil ser indelicado com uma mulher, sobretudo quando já se facilitou um bocadinho. Aventei a hipótese:

— Mas... e se você for um bagulho horrível? Não é chato para nós ambos?

A risada veio límpida como a própria verdade enunciada:

— Sou uma gracinha.

Mnhum – mnhum. Comecei a sentir-me nojento, uma espécie de Nabokov “avant-la-lettre”, com aquela Lolita de araque a querer arrastar-me para o seu mundo de ninfete. Não, resistiria.

— Adeus. Vê se não telefona mais, por favor...

— Adeus. Espero você às 4, diante da ABI. Quando você vir um brotinho lindo você sabe que sou eu. Você, eu conheço. Tenho até retratos seus...

Não fui, é claro. Mas o telefone no dia seguinte tocou.

— Ingrato...

— Onde é que você mora, hein?

— Na Tijuca. Por quê?

— Por nada. Você não desiste, não é?

— Nem morta.

— Está bem. São 3 da tarde; às 4 estarei na porta da ABI. Se quiser dar o bolo, pode dar. Tenho de toda maneira que ir à cidade.

— Malcriado... Você vai cair duro quando me vir.

Desta vez fui. E qual não é minha surpresa quando, às 4 em ponto, vejo aproximar-se de mim a coisinha mais linda do mundo: um pouco mais de um metro e meio de mulherzinha em uniforme colegial, saltos baixos e rabinho de cavalo, rosto lavado, olhos enormes: uma graça completa. Teria, no máximo, 13 anos. Apresentou-me sorridente o livro:

— Põe uma coisa bem bonitinha para mim, por favor?…

E como eu lhe respondesse ao sorriso:

— Então, está desapontado?

Escrevi a dedicatória sem dar-lhe trela. Ela leu atentamente, teve um muxoxo:

— Ih, que sério. . .

Embora morto de vontade de rir, contive-me para retorquir-lhe:

— É, sou um homem sério. E daí?

O “e daí” é que foi a minha perdição. Seus olhos brilharam e ela disse rápido:

— Daí que os homens sérios podem muito bem levar brotinhos ao cinema…

Olhei-a com um falso ar severo:

— Você está vendo aquele café ali? Se você não desaparecer daqui imediatamente eu vou àquele café, ligo para sua mãe ou seu pai e digo para vir buscar você aqui de chinelo, você está ouvindo? De chinelo!

Ela me ouviu, parada, um arzinho meio triste como o de uma menina a quem não se fez a vontade. Depois disse, devagar, olhando-me bem nos olhos:

— Você não sabe o que está perdendo...

E saiu em frente, desenvolvendo, para o lado da Avenida.


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O sentido da vida

E nesse Universo tão vasto, estamos no escuro dentro de um infinito sem teto nem chão. Estamos sozinhos? E depois que você crescer, estudar e ser alguém na vida. O que acontece? Para onde você vai? Então foi tudo em vão?

Livre-arbítrio, mas nem tanto. Ainda precisamos viver seguindo algumas regras, se não somos considerados esquisitos. Isso vale para sapatos e pensamentos. Faz sentido? Alguns buscam as respostas em livros sagrados, outros na arte. A arte está sempre buscando algum sentido. Então você balança a cabeça e finge que encontrou um também.

A verdade é que não adianta procurarmos sentido lá longe e não olharmos ao nosso redor. É preciso descomplicar. Às vezes, a vida é sobre não deixar de se emocionar ao assistir ao pôr do sol ou ouvir a nona sinfonia de Beethoven mesmo que pela centésima vez.

Talvez o melhor seja ir vivendo um dia de cada vez. Desautomatizar a respiração. O sentido da vida? É para frente. E não importa a velocidade, contanto que você não pare enquanto o seu coração ainda insista em bater.


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Vizinhos Pássaros Ivan Angelo

Pareciam pica-paus de desenho animado, mãe e filhote. Ela subia ereta pelo tronco vertical da árvore, avançava com desenvoltura em ângulo reto, como o Fred Astaire do cinema dançou uma vez subindo pelas paredes. Quando imóvel, parecia um enfeite espetado ali, um passarinho decorativo, não se podendo imaginar tal desrespeito à lei da gravidade. Parava uns segundos, olhava e avançava, a prumo. Levava uma pequenina lagarta contorcendo-se no bico e a entregou ao bico escancarado que sobressaía do ninho. Peitinho amarelo, penacho vermelho na cabeça, poderia ser picapau-dourado ou pica-pau-depenacho, ainda encontráveis na Serra do Mar. Mas não estávamos num parque ou num pedaço da Mata Atlântica, estávamos em plena rua movimentada das colinas de Perdizes. Pessoas paravam na calçada para olhar, encantadas com as cores e a destreza da passarinha.

Aves nativas estão voltando para perto de nós. O ar da cidade estará mais leve? Haverá mais frutas desfrutáveis, mais insetos-petisco? A poucos metros, o vendedor de frutas da esquina costuma partir vistosos mamões e colocar as metades sobre o toco que sobrou de uma grande árvore sacrificada pela prefeitura. Sabiás e bem-te-vis não fazem cerimônia.

Duas quadras adiante, na calçada, brotou — espontaneamente, ou plantaram? — e cresceu uma bananeira. Viçosa, já ostenta enorme cacho, pronto para engordar e amadurecer. É boa ideia plantar bananeiras nas ruas. Por perto, há goiabas amarelando; na época certa, amoras e pitangas se oferecem. E, então, nossos pequenos consumidores coloridos aparecem.

De repente, as árvores fronteiras à PUC são tomadas por uma algazarra verde, um bando de periquitos-ricos. E ricos de quê, senão de cores e da boa vida que passaram a levar na cidade?

Quem, em qualquer bairro da capital, não acorda às 5 horas da manhã com os pios exasperantes de um sabiá? Eles estão agora em toda parte, apressando os paulistanos para o trabalho ou a escola. Ciscam canteiros na casa das sogras, catam quireras nas calçadas.

Quem, à tarde, não ouve a lenga-lenga dos bem-te-vis, em qualquer parte da metrópole? Passarinhos grandes, eles e os sabiás estão botando para correr os pardais alienígenas.

Nos baixos da Avenida Paulista, um poderoso terraço onde vicejam jabuticabeira, macieira, romãzeira, limoeiros, parreira e pitangueira é visitado em revezamento por azulados sanhaços, beija-flores diversos, maritacas, saíras-azuis e suas fêmeas verdes, pintassilgos, sabiás, cambaxirras... Ultimamente, começou a aparecer por lá um assustador carcará, gavião do sertão que se vai avizinhando de nós, à caça de pombos, rolinhas, ratos, lagartos, morcegos, besouros, o que se mexer.

Nas praças e nos jardins, rolinhas vão ficando comuns, bicam o chão de quintais, atarefadas, à cata de só elas sabem o quê. Pardais escasseiam, mas ainda existem em bandos menores, menos ruidosos do que na época em que dominavam a paisagem e os beirais.

Periquitos-maracanãs e jandaias vão e vêm, um escândalo, apoderam-se da copa das árvores mais altas, e depois, aparentemente sem maestro, revoam levando para longe sua estridência, vão cantar em outra freguesia. Quem sabe na Freguesia do Ó.

Andorinhas chegam de tempos em tempos para comer formigas e cupins de asas, ou para brincar de caças a jato na frente de nossas janelas. Outro migrante, o falcão-peregrino, que vive no Canadá e na Groenlândia, tem aqui a sua residência de verão, às vezes na Paulista, às vezes na Praça da República, e já foi visto no Morumbi. Não voltaria se não lhe agradasse a gastronomia local.

Até solitárias calopsitas foram vistas em parapeitos, pé ante pé, com cauteloso passo estrangeiro. Será que já se vão reproduzindo à solta na cidade?

Cercados por tais vizinhos, sentimo-nos quase confortados, como se começássemos a pagar uma velha dívida.


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O Cajueiro Rubem Braga Cajus na árvore

O cajueiro já devia ser velho quando nasci. Ele vive nas mais antigas recordações de minha infância: belo, imenso, no alto do morro, atrás de casa. Agora vem uma carta dizendo que ele caiu.



Eu me lembro do outro cajueiro que era menor e morreu há muito mais tempo. Eu me lembro dos pés de pinha, do cajá-manga, da grande touceira de espadas-de-são-jorge (que nós chamávamos simplesmente “tala”) e da alta saboneteira que era nossa alegria e a cobiça de toda a meninada do bairro porque fornecia centenas de bolas pretas para o jogo de gude. Lembro-me da tamareira e de tantos arbustos e folhagens coloridas, lembro-me da parreira que cobria o caramanchão e dos canteiros de flores humildes, “beijos”, violetas. Tudo sumira; mas o grande pé de fruta-pão ao lado de casa e o imenso cajueiro lá no alto eram como árvores sagradas protegendo a família. Cada menino que ia crescendo aprendia o jeito de seu tronco, a cica de seu fruto, o lugar melhor para apoiar o pé e subir pelo cajueiro acima, ver de lá o telhado das casas do outro lado e os morros além, sentir o leve balanceio na brisa da tarde.



No último verão ainda o vi; estava, como sempre, carregado de frutos amarelos, trêmulo de sanhaços. Chovera; mas assim mesmo fiz questão de que Carybé subisse o morro para vê-lo de perto, como quem apresenta a um amigo de outras terras um parente muito querido.



A carta de minha irmã mais moça diz que ele caiu numa tarde de ventania, num fragor tremendo pela ribanceira; e caiu meio de lado, como se não quisesse quebrar o telhado de nossa velha casa. Diz que passou o dia abatida, pensando em nossa mãe, em nosso pai, em nossos irmãos que já morreram. Diz que seus filhos pequenos se assustaram; mas depois foram brincar nos galhos tombados.



Foi agora, em setembro. Estava carregado de flores.


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Tempo

Muitos de nós ficamos encucados com o tempo que temos ou a falta dele. A ansiedade parece ser um mal moderno, que assombra a maioria da população. Sentimos a pressão das expectativas, e cada minuto que passa parece ser um minuto desperdiçado. É comum cair na tentação de buscar antecipar o máximo de trabalho possível, para reservar um tempo de descanso no futuro, mas parece que esse tempo nunca chega. É uma sensação de remar contra a corrente, correr sem sair do lugar. Isso exacerba ainda mais a nossa ansiedade. Na verdade, o tempo livre que temos no presente não deve ser adiado. Não é prudente negociar as escassas lacunas que temos para descansar, imaginando que o futuro será certamente mais tranquilo. Mas o horizonte é algo que nunca se alcança. Temos que andar em direção a ele, mas, ao mesmo tempo, entender que o presente precisa ser vivido intensamente e sem culpa. O tempo só consegue ser valorizado no aqui e agora e, em vez de se preocupar em desperdiçá-lo, aproveite o tempo que você tem.


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Não troco meu oxente pelo ok de ninguém Téta Barbosa

Se alguém inventou o stand up comedy no Nordeste, esse cara foi Ariano Suassuna. Só ele para, de fato, conseguir entreter sozinho (sem fantasia, nem cenário) uma plateia por horas contando, não piadas, mas causos.

Claro que se o poeta, romancista e dramaturgo for ler esse texto e aceitar o cargo de inventor da comédia sertaneja, não vai fazê-lo em inglês. Vai chegar logo dizendo: “é comédia em pé, minha filha”.

Porque é assim que Ariano trata o americanês que a gente adora enfiar no meio do nosso bem dizido português. “Não troco meu oxente pelo ok de ninguém”! - diz o paraibano mais pernambucano do mundo.

Mas, vamos ao assunto da comédia em pé, já devidamente traduzida pra o brasileiro armorial.

Fico imaginando como deve ser difícil, ficar ali, em pé, contando história pro povo rir. Isso sem falar no medo de levar um processo. O politicamente correto dificultou a vida desses profissionais do riso que, além de ter que enfrentar uma plateia ansiosa por diversão, também está ansiosa por uma batalha judicial.

Soube até que pelas bandas do sul (leia-se São Paulo*) tem um espetáculo de stand up comedy onde o público tem que assinar um termo de responsabilidade, atestando não se ofender com o conteúdo.

Desviei de novo do assunto; já estou em processo e guerra judicial, quando o tema era piada. Piada simples, em português e sem ofender ninguém. Vendo assim, parece que o show de stand up do cara vai ficar parecendo uma palestra sobre o aquecimento global e a crise na Europa, mas na prática é possível sim contar uma história engraçada, com conteúdo liberado para menores de 16 anos e sem precisar xingar a mãe de ninguém.

E é isso que Ariano Suassuna faz em suas aulas-espetáculo. É verdade que é um sit down comedy porque o contador de histórias prefere ficar sentado mesmo. Mas nada que interfira na graça dos causos (que só tem graça mesmo quando ele conta). E o mais engraçado é que não são piadas. São histórias do dia a dia mesmo.

Conversas com o taxista, com a costureira, com os amigos. Conversas que ficam engraçadas pela maneira que são contadas, pelas ênfases nas palavras, e não necessariamente pelo conteúdo extravagante ou final surpreendente.

Então, pelo nosso direito de rir sem precisar preencher um formulário de imunidade jurídica, sugiro aos comediantes da nova geração beber um pouco da fonte armorial.

*Sei que São Paulo fica no Sudeste. Mas é que pra gente do Nordeste, pra baixo da Bahia, tudo é sul.


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Tudo a ver Roberto Freire Mulher sorrindo na rua

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco, você levou para conhecer a sua mãe e ela foi de blusa transparente. Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina o Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?

Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela, ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai ligar e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário, ele escuta Sivuca. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado, mas ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você se derrete feito manteiga. Por que você ama este cara?

Não pergunte pra mim. Você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais.

Gosta dos filmes de Woody Allen, dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem o seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco.

Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettuccine ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém, adora sexo. Com um currículo desses, criatura, por que diabo está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim. Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não-fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão.

O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. Costuma ser despertado mais pelas flechas do cupido que por uma ficha limpa. Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referências. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC.

Ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos tem às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó. Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é.


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Crimes, temos por aqui. Falta um país. Luis Fernando Verissimo

Quando o grampo telefônico e a minicâmera escondida ainda não eram instrumentos de denúncia e moralização, o político corrupto podia contar com uma certa tolerância tácita dos seus pares e do público.

Mesmo quando não havia dúvidas quanto a sua corrupção, havia a disposição de perdoá-lo, até de folclorizá-lo — e o político que roubava mas fazia tinha o privilégio do artista, de ser um canalha em particular se sua obra o redimisse.

Uma única gravura do Picasso absolve uma vida de mau-caráter. A obra do Marquês de Sade é estudada com a mesma isenção moral dedicada à obra de Santo Agostinho — que nem sempre foi santo — e ninguém quer saber se o escritor engana o fisco ou bate na mãe se seus livros são bons.

Ou querer saber, queremos, mas só pelo valor de fuxico.

A absolvição custa um pouco mais quando o pecado do artista é o da ideologia errada. Pois se se admitia no político a perversão privada do artista, a única inconveniência intolerável no artista era a incorreção política.

Assim um Louis Ferdinad Céline e um Wilson Simonal tiveram que esperar a remissão que o tempo acabou dando a Kipling, Claudel, Nelson Rodrigues, Jean Genet, etc. Mas a receberam.

O político que declaradamente roubava mas se redimia fazendo tinha um pouco desta imunidade de artista. Sua obra justificava seus pecados, quando não era uma decorrência deles.

Todo o sistema de conveniências e deixa-pra-laísmo que domina o Congresso brasileiro e que está sendo testado agora presume a mesma desconexão entre moral privada e moral aparente. A cultura do clientelismo, onde o suposto proveito político substitui a ética, está baseada nela.

O que causou a atual revolta contra a roubalheira e a tolerância com a corrupção no Brasil, além das modernas técnicas de averiguação, é a constatação crescente de que aqui não se tem nem a ética nem o proveito, rouba-se para poucos e não se faz para a maioria.

Em cleptocracias mais avançadas a obra dos artistas do desenvolvimento, todos bandidos, redimiu-os. Empresários corruptores e políticos corruptos fizeram dos Estados Unidos, por exemplo, o que eles são hoje.

O capitalismo selvagem americano domou a si mesmo depois de construir um país, ou controlou-se razoavelmente, mas nos seus tempos desinibidos escandalizaria até o Cachoeira. Aqui se tem o crime mas ainda não se tem o país.



PALAVRAS AVULSAS

O “rude e doloroso” idioma de Bilac é falado por mais gente do que fala francês, mas temos razões para nos queixar da sua relativa obscuridade. Ao contrário da Espanha, que perdeu seu império americano mas deixou um imenso mercado para o García Márquez e o Vargas Llosa, Portugal não foi muito pródigo com a sua língua.

Seus navegadores, catequizadores e comerciantes apenas largaram palavras avulsas pelos caminhos da sua exploração do mundo, como pepitas raras. Até hoje na Costa Ocidental da África usam a palavra “dash” para gorjeta. Vem do português “deixar”, como em “Vou deixar uns trocados para você, ó mameluco!”.

No Japão, o prato de camarão com legumes fritos chamado “tempura” tem este nome por causa dos portugueses que só comiam peixe durante os “Quattuor Tempora”, ou Quatro Tempos, de cinzas e contrição, do ano litúrgico.
O “mandarim” chinês vem de “mandar” mesmo, combinada com o sânscrito “mantrin”, ou conselheiro.

Algumas palavras portuguesas andaram pelo mundo e voltaram com seu sentido mudado.

“Casta”, substantivo, camada social, vem do português “casta” adjetivo. “Fetishe” começou a vida como feitiço. E o “joss” do chinês pidgin, significando ídolo, é uma corruptela do “Deus” chiado dos portugueses.

Enfim, não é muito mas é nosso.

Contemple a inteligência das crônicas de Pedro Bial
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