Reciprocidade
João Doederlein
É quando a gente pede o mesmo prato num restaurante e divida a sobremesa. É torcer pelo mesmo personagem de Game of Thrones. Quando duas mãos se abraçam pela primeira vez. É ouvir a mesma playlist. É fazer juntos uma playlist. Quando a gente pede o mesmo sabor de pizza.
É quando você me beija(va) de volta.
É a tristeza do século 21. Roupagem nova da melancolia. É tiro que mata minha vontade. É aquilo que de manhã me prende na cama por algumas horas a mais. É sorrateira, aparece em qualquer lugar. Treinada para derrubar imobilizar, é faixa preta na arte marcial de incomodar. É aquela conhecida importuna que te visita sem avisar.
*se ingerida com álcool, pode piorar.
Você disse que eu era um leão,
que eu tinha fogo intenso
no coração.
Você me trocou por ela sem nem pensar.
Lembre-se, então, que fogo queima.
E eu vou queimar.
Meu coração é chama e vai incinerar.
Se for pra ir embora, vá.
É ter olhos profundos como o mar. É engolir com o próprio olhar. É ter um pedaço do céu no próprio rosto. Cor preferida da minha melhor amiga. É calmaria. É a imensidão. Cor que as meninas também podem vestir, por quê não?
É a cor mais quente.
O ato de não te ter na mesma que eu. Ato de desistir da própria cama sem entender o porquê. Produto da loja de inconveniência da vida. Bala perdida do amor não correspondido.
Melhor amiga no Netflix.
É curar a dor de alguém com um abraço amigo. É um simples segurar de mãos. Palavra usada para explicar aquilo que foge da minha e da sua compreensão. É fonte do próprio desejo. É acreditar que o papai noel deixou presente na noite de natal. É aquilo que envolve os meus dias inesquecíveis.
É do que são feitos olhares entre estranhos que cruzam o corredor e te fazem perguntar pelo resto do dia "qual é o nome dela?".
Enviada hoje 5:21
João Doederlein
Sento no meio-fio, às 5 horas da manhã, fantasiado de mímico.
Sento em meio ao frio, aos 5 graus da manhã, fantasiado de mim.
Sinto muito, aos 5 minutos finais de festa, ter fantasiado um beijo que eu não dei.
Sim, eu te conheço há mais de 5 anos, e tem mais de 2 que eu já fantasiei a gente de namorado e namorada.
Sabe, eu passei 5 dias pensando no que eu ia te dizer nessa festa, mas tudo o que eu fiz foi te achar linda fantasiada de Colombina enquanto eu bebia catuaba e você dançava.
Só pra você saber, faz 5 minutos que estou com o celular aberto na sua conversa e tudo o que queria te dizer já foi e voltou duas vezes na minha cabeça, e eu já apaguei três ou quatro vezes a mensagem. Eu enrolo demais e cada texto que eu escrevo fica maior e mais confuso e tudo o que eu queria dizer é tão simples de falar mas só de pensar que você pode ler e não responder, e depois me evitar, eu travo. Eu apago. Eu começo tudo de novo.
É escudo. Mecanismo de defesa. É pecado último. É aquilo que se mal usado cega o próprio portador. É instrumento perigoso, dificil de ser dominado. É ver seu amigo lançar o primeiro livro. É abraçar vitórias com vontade. É o que enche minha boca ao falar de quem eu admiro.
É o que ergue um império. É o que derruba um rei.
É ter um(a) parceiro(a) de crime pra esse crime que é viver. É planejar mais viagens do que dias disponíveis. É matar as borboletas na barriga (e descobrir depois que elas nunca morrem). É pedir pra ficar junto no chat de madrugada. É fazer poesia sem ser poeta. É roubar blusas e casacos.
Morar na vida de outro alguém.
É aquilo que na sua boca vira poesia quando você fala. É dar roupa nova pras palavras velhas. É quando o seu "erre" mais puxado me invade os ouvidos e faz o coração se encantar. É me deixar bobo falando "porta", "verde" e "sorte". É quando eu brinco imitando o seu jeitinho de falar.
É quando a cultura se expressa pela sua voz.
É tudo o que fazemos para buscar nosso lugar no mundo. Instrumento usado para tentar ser cada vez mais dono de si mesmo. É escolher Brasília, seca e dificil, em vez do conforto do Tocantins. É não planejar o dia e acabar num bar bebendo Sprite com alguém, que assim como eu, também ama poesia.
É aceitar convites, às vezes sem pensar, só pela graça de viver e ver no que dá.
É cor que mais me encanta. É o tom de mel do seu olhar. É a tinta de passaram na sua alma quando você nasceu. É ter olhos de nutella e lábios de avelã. É cor injustiçada. É ser comum nos olhos para ser rara de coração. É a tempestade que chega.
Os olhos da cigana, oblíqua e dissimulada.