Estou na caridade da evolução do meu ser... Quero ser menina, encontro-me mulher... Quero ser mulher, vejo-me menina.
porque nada do que foi feito satisfaz a vida , nada enche a vida.
A vida é viver!
Que a força do medo que tenho, não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas outra metade é silêncio...
Vale a pena
Ferreira Gullar
Sei que a vida vale a pena
Mesmo que o pão seja caro
E a liberdade pequena...
Permanente
Ferreira Gullar
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente...
Quero felicidade
Ferreira Gullar
Não quero saber do sofrimento, quero é felicidade... Não gosto de fazer lamúrias. Uma vez, discuti feio sobre determinada situação... Fiquei sozinho em casa, cheio de razão e triste pra cacete. Então, pra quê querer ter sempre razão? Não quero ter razão, quero é ser feliz!
Cantiga para não morrer
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve...
Aqui me tenho como não me conheço nem me quis, sem começo nem fim. Aqui me tenho sem mim, nada lembro, nem sei.
Resposta da arte
Ferreira Gullar
Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba...
Não basta
Ferreira Gullar
A arte existe porque a vida não basta...
Mau Despertar
Ferreira Gullar
Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum
Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas
História humana
Ferreira Gullar
A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não tem voz.
Natureza do amor
Ferreira Gullar
Mas essa é a natureza do amor, comparável à do vento: fluido e arrasador.
Dois e dois
Ferreira Gullar
Como um tempo de alegria, por trás do terror me acena... E a noite carrega o dia, no seu colo de açucena... Sei que dois e dois são quatro, sei que a vida vale a pena... mesmo que o pão seja caro e a liberdade, pequena...
Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem.
Bala perdida
Ferreira Gullar
Em face da imprevisibilidade da vida, inventamos Deus, que nos protege da bala perdida.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira...
Branca de neve
Ferreira Gullar
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
Coisas vivas
Ferreira Gullar
E são coisas vivas as palavras
e vibram da alegria do corpo que as gritou
têm mesmo o seu perfume, o gosto
da carne
que nunca se entrega realmente
nem na cama
senão a si própria
à sua própria vertigem.
O que se foi
Ferreira Gullar
O que se foi se foi.
Se algo ainda perdura
é só a amarga marca
na paisagem escura.
Se o que foi regressa,
traz um erro fatal:
falta-lhe simplesmente
ser real.
Parte de mim
Ferreira Gullar
Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão.
Que a sorte me livre do mercado
e que me deixe
continuar fazendo (sem o saber)
fora de esquema
meu poema
inesperado