A perfeita imperfeição
Héctor Babenco
Contento-me em ser uma pessoa não resolvida, porque acho que das minhas imperfeições, ainda sairão coisas interessantes.
Não sente frio
Héctor Babenco
Desde que fiz o transplante de medula, minha sensação térmica mudou. As pessoas sentem muito calor, e eu não. E, quando sentem frio, eu sinto menos. Nunca comentei isso com nenhum médico. É uma curiosidade.
Eterno aluno
Héctor Babenco
Marília Pêra foi crucial para mim.
As feridas da alma
Héctor Babenco
Você não passa impunemente pelo que acontece com você. É óbvio que cicatrizes ficam. Não no corpo, mas na alma.
Lilian Ramos
Héctor Babenco
O destino dela é permeado de sósias. Ganhou a primeira notoriedade por ser sósia de Fafá de Belém e a segunda por se engraçar no sambódromo com um sósia de Presidente da República.
Não aguento mais. Estou de saco cheio de tudo isso.
É a tragédia de não poder filmar no Brasil. De ser rejeitado por editais. Não conseguir recursos para fazer cinema. A possibilidade de trabalhar com recursos privados esmoreceu. O cinema não é uma indústria aqui, aquela que dá retorno, considerando nossos modelos de produção.
Eu tive de criticar. Eu simplesmente alertei que alguém estava fazendo algo indevido. Eles fizeram apropriação indébita. Só isso. Vou matar, sair por aí com revólver? Não. Eles que se cuidem, cara. Eles têm as responsabilidades deles e eu tenho as minhas.
É por isso que estou morando no Brasil e não voltei para os Estados Unidos, onde tenho um nome enorme, ou fui para a Inglaterra ou a França. Teria dificuldades de me encaixar no sistema produtivo deles. Estou um pouco cansado do modelo brasileiro: “Ei, me dá um dinheiro aí!”. Não quero mais ter de enfrentar sabatinas em empresas estatais para defender o meu projeto e dizer quem eu sou e o que eu quero fazer. Acho que já tenho uma folha corrida com um razoável currículo de trabalho por esse país, que é o meu.
Produtor e tudo mais
Héctor Babenco
Eu meto o bedelho em absolutamente todas as áreas. Em O Passado, o vestuário inteiro é meu, as locações foram quase todas descobertas minhas. Num modelo estupidamente profissional eu entraria em rota de colisão total com todos os meus colaboradores.
Sangue brasileiro
Héctor Babenco
Não sou um argentino que mora no Brasil, como a imprensa costuma dizer. Sou um brasileiro que nasceu na Argentina. É assim que me vejo.
Na cultura em que eu cresci, na Argentina, a melancolia era uma moeda forte e a alegria, o prazer, o humor e a diversão eram sentimentos menores. No Brasil, vi que esses sentimentos eram muito mais vitais, existencialmente falando, que a melancolia, a fossa, a depressão. devo reconhecer que ainda não consegui encontrar o caminho daquilo que me fascina, que é a alegria, e continuo muito preso ao sentimento muito enraizado em mim, que é o desencanto. Desencanto pela perda, pela injustiça social.
Minha indignação ante o modelo de exclusão social do Brasil é algo que me motivou a fazer filmes, desde Pixote. Não sou movido por ambições políticas nem por necessidade de propaganda subliminar nos meus trabalhos. Sempre acreditei em projetos em que, por mais abjeta e cruel que fosse a realidade, podia tentar resgatar a individualidade e a humanidade dos personagens mais terríveis. Sempre estive mais próximo de Camus do que de João Ubaldo Ribeiro.
Sérgio Camargo
Héctor Babenco
Foi uma figura tão importante quanto meu pai, me ensinou tudo sobre estética, sobre disciplina, sobre o rigor, sobre não ceder à tentação do mercado.
Cada ser é único
Héctor Babenco
Aos 17 anos, quando a minha cabeça começou a ser feita, dei um pontapé na bunda do Partido Comunista. Achei que aquilo tudo, que trabalhava com a possibilidade de uma revolução futura não era algo que me interessasse e devo isso aos escritores beatniks, que me ensinaram, de alguma forma, o prazer de viver uma aventura existencial e isso me fez abandonar o Partido Comunista, eu não queria ser um monte de gente, eu queria ser eu.
Infância pobre
Héctor Babenco
Meus pais nunca tiveram casa própria. A gente morou atrás da loja dos meus pais até os meus 15 anos. Sempre casas alugadas, tendo de sair porque não tinha dinheiro para pagar.
Quero ao meu lado uma mulher que tenha inteligência, energia, esperteza, agilidade e a liberdade de entender quem sou eu. Eu estou disposto a compreendê-la, mas se ela não está disposta a me compreender é melhor que termine a relação.
Sofrendo em silêncio
Héctor Babenco
Às vezes eu dizia que ia ao Brasil para um fim de semana longo com a minha família e me internava no Memorial Hospital para fazer exames e tratamento. Eu padeci muito. O mundo não tem a obrigação de me dar tudo que eu quero, pelo fato de eu ter sofrido muito, mas eu tento. A doença me castrou de alguma forma e me deixou com muita raiva. Muita raiva.
Aos 70 anos de idade
Héctor Babenco
Estou sarado aos 70%... então 30% eu tenho que estar administrando ainda. Diabetes, alimentação, tem outras colateralidades, outros problemas, enfim, que todo homem de 70 anos começa a ter. Não é um privilégio meu. Talvez, no meu caso, seja um pouco mais agudo pelo fato de eu vir com o corpo mais castigado, mais machucado, mais exposto a centenas de noites em hospitais, pois isso é uma ferrugem na tua alma.
Desde o cabelo tingido do Renan até as contas na Suíça do Cunha, é tudo a mesma história. São pessoas desqualificadas para respeitar e fazer o país crescer.
Meu Amigo Hindu
Héctor Babenco
É um filme que tem elementos pessoais. Mas isso não quer dizer que minha vida tenha sido desse jeito. Detesto biografias. Todo autor tem um pouco dele em tudo que conta e cria. Pode ser um pouco mais ou menos. No meu caso, digamos que eu manipulei malandramente alguma coisa que me aconteceu, com algumas pessoas que estiveram em minha vida. Construí um personagem que sou eu e não sou eu.
Começou quando fui ao cinema pela primeira vez, aos sete anos. Durante aquele filme, que nem lembro o nome, senti pela primeira vez o despertar da minha sexualidade. E sempre associei meu desejo de fazer cinema a uma procura que tem a ver com o lado erótico, com a libido. Digo apenas que começou lá. Um garoto que gostou de um filme e que a vida inteira nunca descobriu uma paixão maior.
Último filme da carreira
Héctor Babenco
Hoje, depois de ser muito assediado pela ideia de fim, meu único pedido à morte era que ela me deixasse fazer mais um filme. E esse é o filme que a morte me deixou fazer.
Não estou alegre nem feliz. Acho que é um momento sagrado, em que o filme que foi um sonho durante dois anos vai encontrar o mundo real. É um filme que me deixou tão feliz de fazer. Eu me sinto tão confortável dentro dele. Com o espaço interno criado. Com ele pronto. Isso pode até parecer meio vaidoso, mas “caguei”. Não devo nada a ninguém.
Não gosta de biografias
Héctor Babenco
Acho chatas. Nunca me interessaram as vidas dos grandes homens. Nem o Churchill, Mao Tsé-Tung, Cervantes, Shakespeare. Deixe eu me divertir com um espetáculo do Shakespeare e entender por que se fala dele através do que ele fez, não através de onde ele nasceu, como cresceu. Sabe? Acho isso chato.
As crianças gostam do medo, gostam da ideia de ser aterrorizadas porque os limites entre o que é verdadeiro e o que é falso se desestabelecem.
Isso foi dito a mim pelo próprio presidente da Fox. Eu estava na lista dos 20 diretores potencialmente cotados para fazer projetos da empresa. Mas havia um “senão” que era difícil. Eles dizem não a tudo e depois, se for o caso, cedem. Nós falamos “sim” e não cumprimos. Você combina de ir à casa de alguém, mas ninguém passa lá. Nos Estados Unidos, se alguém diz que a festa é às 2h da tarde, e você chega às 2h30, você não entra. São culturas diferentes. Se uma é melhor que a outra? Não sei.
Eu ainda não consegui me liberar a esse ponto. Talvez agora, graças ao psicotrópico que estou tomando, consiga ficar mais leve e colocar o humor, que eu sei que tenho, numa narrativa. Para isso, eu também preciso de um parceiro, de um companheiro de viagem. Não consigo construir uma narrativa sozinho.
Para mim é mágico imaginar que daquela filha que eu vi crescer tenha saído algo que tem a ver comigo. Fico perplexo. Um ciclo de vida que não se extingue. Como sei que sou finito, já tive provas que a vida pode me dar muitas surpresas, quero que ele leve uma marca muito forte desse ser masculino que foi o avô – uma imagem muito diferente da que as minhas filhas têm de mim.
Só esqueço um filme depois que entendi por que o fiz. No caso específico de O Passado, eu sou uma pessoa diferente do homem que iniciou o filme. Estou com uma sensação de missão cumprida muito grande, como nunca antes senti. Estou com uma sensação totalmente diferente, estou com a sensação que fiz um trabalho legal.
Como lida com a crítica
Héctor Babenco
Nunca me importou. Como alguém que tem uma hora para escrever sobre algo que levei quatro anos para fazer pode fazer isso? Como vivemos num país onde importa muito mais a fotografia do que o texto, nunca me preocupei muito com a crítica. A crítica não leva nem afasta absolutamente ninguém do cinema. Faço filmes somente para descobrir por que os fiz.
Trabalho em conjunto
Héctor Babenco
Dizem que sou um grande diretor de atores. Eu simplesmente deixo os atores me dizerem como querem fazer o papel. Depois eu balizo, eu recorto, eles nem percebem.
Satisfeito
Héctor Babenco
A segurança não advém da experiência ou da idade, mas da minha satisfação com o trabalho cumprido. Detesto ficar acomodado. Estou constantemente querendo ser outra pessoa, na minha vida pessoal. E acredito que, por serem muito atrelados à minha vivência pessoal, apesar de eu não fazer filmes autobiográficos, os meus filmes estão sempre mudando, são novos. E é isso que me mantém vivo. Tenho um certo prazer pelo difícil. Você só consegue a originalidade com sacrifício.
Eu não sei se eu preciso inventar algo para não conseguir estar feliz.
Ela foi muito importante, uma pessoa que me trouxe de volta à vida, uma mulher que me despertou a vontade de ser homem, de novo, mas, como tudo na vida, passageiro.
Tive grandes mulheres e devo muito a todas elas. Eu não seria quem eu sou se não fosse por elas.
O meu neto. E continuar trabalhando. Eu quero ter saúde. Fui punido aos 38 anos com uma doença letal, crônica, sem cura, e graças à colaboração do Drauzio Varella, um médico exemplar, consegui fazer dois filmes com câncer, sem que ninguém soubesse.
O que o mantinha vivo
Héctor Babenco
Desistir é uma palavra que não existe no meu dicionário. Quando eu estava à beira do que os médicos chamam de “próximo da morte”, eu duas vezes ensaiei ir embora. E eu abri os olhos rapidamente. Eu não queria ir embora. Eu tinha de pensar em algo maravilhoso, que justificasse me manter vivo, e eu pensava sempre na sensação de estar embaixo de uma cachoeira e receber aquela água no meu corpo.
Desde que estou no Brasil, 40 e cacetadas de anos, o único momento que me senti respeitado como cidadão foi no governo Fernando Henrique.